Armando Correa de Siqueira Neto*
A natureza é cheia de mistérios. Porém, se levantarmos o véu que a encobre, com o devido esforço da pesquisa e reflexão, é possível enxergar algumas das suas exuberantes maravilhas, especialmente o minúsculo universo microscópico. Refiro-me ao processo de duplicação das células existentes em nós, seres humanos. Pode-se considerar relativamente recente o estudo aprofundado acerca de tal tema, pois a descoberta do microscópio remonta a 1591, pelas mãos, provavelmente, dos holandeses Hans e Zacharias Janssen. Mas coube a Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723), outro holandês, as primeiras observações de material biológico.
Assim, foi possível compreender eventos biológicos que outrora não se faziam visíveis, e, portanto, muito avanço acumulou-se desde então. Entre um passo e outro na escalada do saber construído através dos estudos realizados a partir do uso do microscópio, é possível dar destaque a um processo relacionado ao controle de qualidade existente na replicação das células. Ainda que não se tenha consciência a seu respeito, lá está tal funcionamento, permitindo a continuidade salutar da vida.
Convém, então, observar alguns trechos extraídos da literatura das Ciências Biológicas. Eles oferecem rica explanação acerca do processo aqui apreciado. Na descrição dos professores estadunidenses, Guyton e Hall, “o verdadeiro processo pelo qual uma célula se divide em duas novas células é chamado de mitose. […] “durante o intervalo de cerca de uma hora, entre a replicação do ADN [ácido desoxirribonucléico], ou DNA, em inglês, e o começo da mitose, existe um período de intenso reparo e de “revisão” (proofreading) dos filamentos de ADN. Isto é, sempre que nucleotídeos inadequados forem combinados aos nucleotídeos do filamento original, que serviu de molde, enzimas especiais removem os trechos defeituosos e os substituem por nucleotídeos complementares adequados. […] devido ao reparo e à revisão, o processo de transcrição quase nunca comete erros”. Logo, as atividades de reparação e de revisão, ocorridas durante a interfase, período que antecede a mitose, são fundamentais, pois reduzem sobremaneira as chances de ocorrerem erros que levariam a mutações genéticas danosas. Não obstante, vale a pena levantar algumas questões: o que determina o funcionamento de tais ações reparadoras e revisoras? Como elas surgiram? Quando? Você percebe algo profundamente sutil e inteligente nesses tipos de operações qualitativas e protetoras?
É prudente iniciar a ponderação através da análise da informação genética cujas alterações se deram em incontáveis vezes ao longo do processo evolutivo das espécies. Muito provavelmente, há considerável tempo, a necessidade de adaptação biológica, considerando-se a conservação das características comprovadamente úteis e a modificação e aperfeiçoamento de outras menos interessantes levou ao desenvolvimento das mutações que proporcionaram a continuidade da vida e melhorias às gerações seguintes. De tal fato, conforme a pressão exercida pelo meio em relação aos avanços prementes, deve ter surgido, dentre outras características, a capacidade de automonitoramento voltada à replicação celular. Com o passar do tempo e a prática contínua, chegou-se a um grau de perfeição que poucos erros conseguem passar pelo crivo do competente processo de reparação denominado “revisão do ADN.” Você percebe grandiosidade nisso?
Urge indagar, pois, como é que tal informação surgiu nos primórdios do processo aqui apreciado? Como foi que se deu, pela primeira vez, a atividade reparadora e revisora, ainda que de forma primitiva? Nessa fronteira que divide a ciência e o desconhecido é que reside outro mistério a ser desvendado oportunamente. E nada impede de se pensar a respeito, na tentativa de se buscar respostas que permitam maior compreensão sobre o homem, e também que se tire proveito de tal saber, favorecendo ainda mais o desenvolvimento humano. Mesmo sem enxergar, grande é a nossa sorte, por ter algo tão inteligente trabalhando em nosso favor, não é?
*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), palestrante, professor e mestre em Liderança. Coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação 2006. E-mail: [email protected]