Integralmente custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o transplante hepático com dois doadores vivos (duplo transplante) passará a ser rotina no Hospital Angelina Caron, na região metropolitana de Curitiba, após o êxito da primeira cirurgia desse tipo, realizada no último dia 25 de novembro, mas só divulgada agora.
O paciente, o aposentado Darci Moacir Bladt, de 52 anos, que desenvolveu uma cirrose por consumo excessivo de álcool, recebeu parte do fígado do seu filho, Natanael Bladt Filho, de 22 anos e da sua sobrinha, Julian Bladt, de 26 anos. Darci ainda está internado e seu estado de saúde, segundo os médicos, é muito bom. Os doadores já receberam alta hospitalar. “Quando a gente tem um problema desses na família, não quer esperar, porque esperar uma doação é como receber o prêmio de uma loteria”, disse Natanael.
Há um ano, os parentes de Darci Bladt procuravam, entre eles, alguém com o mesmo tipo sanguíneo para doar uma parte do fígado. Depois de alguns exames, não encontraram um fígado de tamanho compatível.
A cirrose não tem tratamento e as complicações da doença podem evoluir rapidamente, de forma fatal. No transplante intervivos convencional são doados 60% do fígado do doador, desde que essa parte temha a proporção de 0,8% a 1% do peso do receptor. Assim, um paciente cirrótico, com peso aproximado de 70 quilos (kg), precisa da doação de um fígado em torno de 560 a 700 gramas. Darci tinha sobrepeso, perfil comum a uma boa parte dos pacientes hepáticos. Pesando 86 kg, ele precisaria de um fígado de cerca de 860 gramas.
Isoladamente, os médicos informaram que Natanael e Julian nada podiam fazer, pois não tinham volume de tecido hepático adequado, em margens seguras para garantir o sucesso da cirurgia e a sobrevida do receptor.
A cirurgia, de alta complexidade, teve duração de 17 horas e foi realizada pelos médicos João Eduardo Nicoluzzi, chefe do Serviço de Transplante do Hospital Angelina Caron e Mauro Roberto Monteiro, chefe do Serviço de Hepatologia do hospital. Foram necessárias três salas cirúrgicas e a participação de 15 profissionais. Ao mesmo tempo em que era feita a remoção da parte esquerda do fígado dos doadores, a hepatectomia, Darci recebia os novos órgãos.
Segundo Monteiro, a inédita técnica usada na cirurgia de Darci é rotineira no Hospital Asan, que fica na Coreia do Sul, centro de referência em transplante hepático e pioneiro na realização de transplante duplo com dois doadores. “Agora, no Paraná, [esse tipo de transplante] passa a ser integralmente custeado pelo sistema público, uma vez que o hospital é cadastrado como centro de referência em transplantes pelo Ministério da Saúde e a técnica passa a ser mais uma opção para casos em que, muitas vezes, não vemos saída”, disse o médico.
Ainda em recuperação, Darci se diz orgulhoso de ter sido o primeiro paciente a receber um transplante hepático com dois doadores vivos. “O doutor Nicoluzzi me disse que devo deixar o hospital nesta sexta-feira [16]. Saio aliviado depois de permanecer por quase 20 dias internado. Mas, principalmente, saio gratificado. Entrei com poucas chances de viver, hoje tenho duas vidas dentro de mim. Se alguém perguntar o que eu vou fazer amanhã ou depois de amanhã só tenho a dizer uma coisa: agradecer. Pelo filho e pela sobrinha especial, pela minha esposa, pelo carinho que recebi aqui nesse hospital. Ouvi dizer que a minha cirurgia é inédita. Me sinto orgulhoso em fazer parte dessa história” disse à Agência Brasil.
Agência Brasil