Quando soube, em 2005, que sofria de miocardiopatia dilatada – uma doença no coração – e que viveria apenas cinco anos caso não recebesse um transplante, o motorista aposentado Paulo César Pereira Reis, 52 anos, se deparou com uma nova situação em sua vida: esperar pelo órgão de que tanto necessitava.
Foram sete anos de espera. Até que em abril deste ano, Paulo recebeu o novo coração. Adaptação foi bem sucedida, o motorista deixou o hospital em tempo menor que o normal: 50 dias. “Isso eu atribuo à sorte, milagre. A maioria das pessoas fica 200, 300 dias”, disse.
Assim como Paulo, cerca de 30,5 mil brasileiros aguardam pela doação de um órgão ou tecido, segundo levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) feito em junho deste ano. No país, o número de doadores efetivos no primeiro semestre do ano chegou a 1.217, mas poderia ser maior. De acordo com a ABTO, nos últimos seis meses, as famílias de 2.856 potenciais doadores não autorizaram a doação.
Para quebrar essa resistência, a ABTO lançou hoje (27), no Dia Nacional da Doação de Órgãos, uma campanha para estimular o diálogo dentro das famílias. A ideia é que as pessoas informem aos parentes sobre o desejo de ser doador. Na capital paulista, uma caminhada homenageou doadores de órgãos e suas famílias. Os participantes saíram da Escola Paulista de Enfermagem e caminharam até o Parque do Ibirapuera.
Segundo José Medina Pestana, presidente da associação, a campanha será promovida em eventos religiosos e por meio de caminhadas. Será feito um trabalho de motivação com as equipes de transplante e até um convênio com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que permite a exibição de faixas em favor da campanha durante jogos do Campeonato Brasileiro.
Medina apontou como principal fator da recusa das famílias em autorizar a doação, o fato do familiar não ter informado em vida se queria ou não ser doador. “Não costuma ser baseado em um dogma religioso ou cultural”, disse. Mas, continuou ele, a doação do órgão pode trazer equilíbrio para os parentes que vivem o momento delicado da morte de alguém querido. “A família vai poder satisfazer o último desejo daquela pessoa”, argumentou.
Outro objetivo da campanha é reduzir as disparidades geográficas no país quanto à doação de órgãos. Estados como Ceará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina apresentam “desempenhos extraordinários”, na avaliação de Medina. Nesses lugares, a aceitação entre os potenciais doadores fica entre 26 e 15 por milhão de população. Porém, estados como Bahia, Amazônia e Mato Grosso o índice é muito inferior, entre 0,6 e 6,1.
No estado de São Paulo, a taxa média de doadores de órgãos foi 20,5 por milhão de pessoas em 2011, de acordo com a secretaria estadual de Saúde – índice similar ao de países como França (23,8) e Itália (21,6). Na região metropolitana de São Paulo, a taxa é 29 doadores por milhão, número próximo ao da Espanha, considerado país modelo de transplantes no mundo.
Iara de Angeles Fortes Lobato, 47 anos, moradora de Taubaté (SP) foi uma das paulistas que conseguiu um transplante. A professora aposentada sofre de fibrose cística genética, doença que afetou o pulmão. Iara conta que esperou durante quase dois anos na fila. “Quando fala que a gente está inscrito em fila e vem assinar os papéis, a cabeça balança um pouco. A gente fica preocupada, triste. Às vezes entra até em depressão”, lembra.
O período de espera, para ela, foi de bastante sofrimento. “Para a situação que eu estava vivendo foi bem demorado, porque eu usava oxigênio continuamente, estava totalmente debilitada, não conseguia fazer nada”.
Em vários momentos, imaginou como seria o momento quando recebesse a tão aguardada ligação de telefone avisando que faria o transplante de pulmão. “Eu vivia totalmente preparada. Para todo lugar que eu ia, não podia passar do limite de duas horas de viagem para chegar ao hospital. Imaginava até dirigir de Taubaté a São Paulo [onde fica o hospital], mesmo respirando por oxigênio”, recorda.
Iara conseguiu fazer o transplante há dois anos e quatro meses. Hoje, ela oferece apoio a pessoas com fibrose cística, por meio do grupo chamado Gente de Fibras. Ela também se tornou defensora do incentivo à doação de órgão. “Para quem está em dúvida sobre isso, eu digo: faça esse gesto de amor ao próximo, porque um dia alguém da sua família pode precisar e é lindo saber que parte de um ente querido está dando vida a outras pessoas. É multiplicar vidas.”
Agencia Brasil