Objetivo é esclarecer o processo e garantir que investimentos sejam reaplicados no transporte sobre trilhos em Minas.
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) vai notificar judicialmente a União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para que esclareçam as negociações e a tramitação dos processos envolvendo a renovação antecipada da concessão da Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM) para a Vale SA.
O anúncio foi feito nesta quinta-feira (23/8/18), durante audiência da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras que discutiu o transporte ferroviário na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A peça foi apresentada pelo procurador da ALMG Renato Pessoa.
A notificação destaca as condicionantes que devem ser observadas antes da renovação das concessões, entre as quais a correta prestação do serviço, o que se contrapõe, por exemplo, com o atual abandono de trechos da malha. A peça cobra, também, que os investimentos advindos da nova concessão da EFVM sejam reaplicados em Minas Gerais.
AGE – A ação da ALMG reforça a iniciativa da Advocacia-Geral do Estado (AGE), que interpelou extrajudicialmente a União em busca de informações sobre o serviço prestado pelas empresas nos últimos 20 anos, desde a concessão da malha. A AGE já recebeu os dados e vai montar uma força-tarefa para analisá-los.
O procurador do Estado Cássio Andrade reforçou que a prestação do serviço na forma contratual é condição para a renovação dos termos. Ele apontou como inconstitucionais vários trechos da Lei 13.448, de 2017, que trata da renovação antecipada das concessões, como o que aliena o patrimônio ferroviário em favor das empresas ou o que reduz o tempo de fiscalização dos contratos.
Cássio abordou ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo Ministério Público Federal contra a Lei 13.448 e afirmou que o Estado de Minas, via AGE, ingressou na ação como parte interessada para ressaltar as deficiências do sistema no Estado. “Vamos participar das audiências da ANTT e ajudar nessa construção”.
O presidente da comissão, deputado João Leite (PSDB), destacou a importância das iniciativas da AGE e da ALMG para que Minas não perca o direito aos investimentos. Ele também anunciou as datas já agendadas para audiências da ANTT em Minas: em Belo Horizonte, no dia 10 de setembro, e em Ipatinga, no Rio Doce, no dia 12.
A comissão aprovou requerimentos para visitar os locais das duas reuniões. Assinaram os pedidos os deputados João Leite e Sargento Rodrigues (PTB), além da deputada Marília Campos (PT), vice-presidenta da comissão. Sargento Rodrigues salientou que a retomada das ferrovias depende de determinação política.
Gestão do setor está pulverizada
Vários projetos de retomada das ferrovias em Minas foram apresentados ou citados durante a audiência. Mas houve uma queixa recorrente dos participantes quanto à falta de um órgão central que pudesse encaminhar as propostas.
Tanto no nível federal quanto no estadual, agências, departamentos, superintendências, ministérios e secretarias dividem a responsabilidade sobre o tema.
Um dos resultados dessa gestão fragmentada atinge, por exemplo, o metrô de Belo Horizonte. A discussão envolvendo o repasse do metrô da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para a Metrominas (agência que engloba BH e Contagem) culminou por congelar as iniciativas e aportes de recursos.
“Hoje há uma paralisação total de investimentos, diante da discussão infindável de quem vai fazer o quê. Isso virou desculpa para não se investir em Minas”, aponta Adão Guimarães e Silva, analista técnico da CBTU-BH. Segundo ele, é preciso, inclusive, investir no que já existe, para o metrô não parar.
Essa constatação veio também em números, apresentados pelo conselheiro da ONG Trem, Antônio Augusto de Faria. A RMBH, segundo ele, tem apenas 28 quilômetros de trilhos usados em transporte público, contra 71 quilômetros na Região Metropolitana de Recife, 49 na de Fortaleza e 44 na de Porto Alegre.
“As regiões metropolitanas tiveram uma política de modernização dos trens, e Minas foi uma lamentável exceção. Recife, por exemplo, tinha apenas 18 quilômetros. Porto Alegre também tinha menos e, hoje, ainda está em expansão. O metrô de Salvador está chegando ao aeroporto”, comparou.
A falta de uma estrutura organizada em torno dos trens dificulta ainda a ação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que não consegue ceder a ONGs ou prefeituras os trechos devolvidos pelas concessionárias, para implantação de trens turísticos.
“Minas virou apenas um corredor de passagem de cargas para o porto. E 84% da tonelagem transportada são cargas das próprias concessionárias ou de empresas ligadas a elas”, acrescentou o diretor da ONG Trem, André Tenuta. Ele fez um retrospecto das ferrovias e classificou como “sabotagem” as articulações que levaram à privatização da malha e ao fim do transporte de passageiros.
Metrominas – Murilo Valadares, titular da Setop e diretor da Metrominas, abordou a falta de acordo sobre a regionalização do metrô, mas ponderou que a empresa chegou a fazer projetos para as linhas. Ele defendeu que a Metrominas seja ampliada para todo o Estado, assumindo a gestão sobre o transporte em linha férrea e acabando com a fragmentação da gestão no Estado.
Marília Campos (PT) apoiou a ideia. A deputada defende ainda o compartilhamento da malha existente em Minas, que chega a 22 municípios da RMBH, para trasporte de cargas e passageiros. Segundo ela, além da possibilidade de perder recursos, Minas não estava sequer no mapa de discussão das novas concessões e só foi incluída em função do trabalho da comissão.
“A imprensa está noticiando a possibilidade de adiamento da renovação das concessões. Isso também é fruto de pressão. O processo não está transparente”, criticou. Murilo Valadares acrescentou que hão há sequer estudo sobre o valor do que está sendo concedido. “Já sabemos que os recursos irão para São Paulo e Pará. Se não agirmos, vamos perder tudo”, alertou.
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