Major Gabriela Bernardes, do Exército brasileiro, foi evacuada do Sudão com outros funcionários da ONU após conflito começar em 15 de abril; ela lembra que missão é entrega e dedicação e recomenda experiência a outras militares brasileiras
Este 15 julho, faz três meses do início dos confrontos no Sudão. A major Gabriela Bernardes servia na Missão da ONU no país quando tropas do Exército sudanês entraram em choque com paramilitares da Força de Apoio Rápido em meados de abril.
Os confrontos fizeram com que ela arrumasse as malas mais rápido para retornar de um período de um ano no país. “Saí com pouca bagagem. Era uma operação de evacuação”, lembra nessa entrevista ao Podcast ONU News, deste 12 de julho.
Mulheres soldados de paz
Mesmo entre milhares de cidadãos que tiveram que partir, ela destaca que sua carreira militar segue inabalada. A preparação foi de cinco anos no Exército Brasileiro e ela é a terceira geração de uma família de militares.
Falando à ONU News, em Nova Iorque, a major Gabriela Bernardes revela que ainda vive as marcas do desafio que acompanhou como soldado de paz. Para ela, as mulheres devem buscar mais espaço nos quartéis e em missões.
“Acho que ainda é emoção de dia de ter acabado de sair de lá e de ter vivido isso por quase um ano. Essa experiência absolutamente transformadora, com vivências que certamente já estão agregadas na minha vida pessoal e profissional e vão ficar para sempre na memória. Então, falar do Sudão ainda é mexer com muita coisa que aconteceu nesse período. Aconteceram expectativas, que a gente não pode ter nesse tipo de atividade, e já fica a sugestão, a gente tem que viver a realidade. Fica uma vivência de uma realidade absoluta, absolutamente diferente da minha vida, do meu país, do Brasil, do nosso povo e de viver aquilo que a gente tem,
daquilo que o terreno nos oferece, aquilo que a realidade nos oferece, seja em termos de conforto, de alimentação, de expectativas, como eu falei.”
A major acredita que o conflito aumentou as necessidades humanitárias, e com as mortes pioraram as crises locais.
Mesmo assim, a oficial fala de uma motivação inabalada de retornar a missões de paz. O Sudão foi a primeira presença de Gabriela Bernardes nesse tipo de operação, mas acredita ser apenas uma das incontáveis mulheres que o farão.
Situações de conflitos
Segundo ela, as mulheres são necessárias em situações de conflitos. E não falta preparação para a realidade de terreno.
“A gente vai naquela expectativa de ajudar e a gente que volta carregando muito mais exemplos, muito mais coisas boas que eles nos dão com essa capacidade de viver com o mínimo. Se você tem essa vontade, esse desejo de encarar qualquer desafio, porque a gente não pode escolher, né? A gente tem que encarar aquilo que vem e o que vem. Você tem que estar disposta a viver isso. Então se você realmente quer, vá, porque vale muito a pena.”
A major diz que este é um momento de conquista de espaço por mulheres num campo onde elas podem fazer a diferença ao lado dos homens. Ela confia no impulso a habitantes locais para resolver questões que marcam conflitos.
“Infelizmente, a gente ainda vê muitos e rotineiros casos de violência sexual, da não participação da mulher nos processos, ainda mais de decisão, de tomada de decisão para aquela comunidade, para aquele grupo. Então, seja em grupos religiosos, sejam em grupos estudantis. Eu fiquei feliz de ter esse contato com a Universidade de Al Fasher, no norte de Darfur, onde eu estava morando, de ver muitas mulheres já podendo estudar, frequentando a universidade. Mas elas ainda não estão, por exemplo, no governo. Elas não estão representando grupos armados. A gente sabe que elas fazem parte também e é muito importante que isso aconteça.”
Jornalista com mais de 18 anos de formação, a militar contou que teve acesso diário a casos de violência e abusos, que diz esperar que sejam combatidos com maior presença feminina em contingentes no terreno.
Fonte: ONU News