O consórcio Norte Energia S.A, responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, está sendo acusado de intimidar agentes do Poder Judiciário contrários ao início das obras. Entidades brasileiras de direitos humanos encaminharam a denúncia à Relatoria Especial para a Independência e Autonomia Judicial da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo as entidades que assinam o ofício enviado ontem (20) à relatora especial, a brasileira Gabriela Carina Knaul de Albuquerque, a empresa está pressionando funcionários da Justiça que defendem as medidas necessárias para prevenir ou amenizar os impactos ambientais decorrentes da obra.
A denúncia foi motivada pela representação feita pelo consórcio contra o procurador Felício Pontes Júnior no Conselho Nacional do Ministério Público. A empresa pede que Pontes seja afastado do acompanhamento do assunto. O motivo é a publicação pelo procurador, em um blog, de informações e considerações pessoais sobre os processos judiciais envolvendo o projeto de construção da usina. O blog (http://belomontedeviolencias.blogspot.com) pode ser acessado a partir do próprio site do Ministério Público Federal no Pará (www.prpa.mpf.gov.br). Na representação, a Norte Energia pede que o link seja retirado do site institucional.
“Compreendemos que essa representação disciplinar e o requerimento de censura constituem nova intimidação às funções da Justiça, o que configura reiterada afronta à autonomia e independência do Ministério Público Federal no Pará e de seus procuradores no exercício de suas funções”, sustentam as 14 organizações que assinam a denúncia, entre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Justiça Global, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Movimento Xingu Vivo para Sempre, que, sozinho, representa cerca de 250 entidades sociais e ambientalistas da região de Altamira e das áreas de influência do projeto da hidrelétrica.
Os movimentos sociais lembram que, desde o ano passado, vêm alertando a ONU e demais autoridades sobre as tentativas do consórcio e do próprio governo federal de inibir a atuação independente dos procuradores do Ministério Público Federal no Pará.
Composta por empresas estatais, privadas, empreiteiras, fundos de pensão, fundos de investimento e consumidores, a Norte Energia disse que não vai comentar o assunto. Já o procurador da República no Pará, Ubiratan Cazzeta, disse desconhecer o teor da denúncia, mas reconheceu a existência de episódios, inclusive envolvendo a Advocacia-Geral da União (AGU) que, segundo ele, “não podem ser considerados normais em uma discussão judicial”.
“É natural que uma obra complexa como essa gere momentos de tensão, com visões distintas, mas o que houve de peculiar foi a manifestação [em 2010] do advogado-geral da União ameaçando propor ações de improbidade contra membros do ministério por eles terem movido ações contra [a concessão do] licenciamento [prévio], sob a alegação infundada de que eles estariam defendendo interesses pessoais e não atuando como agentes do Estado”, afirmou Cazzeta à Agência Brasil. Segundo ele, as ações acabaram não sendo impetradas, mas isso gerou pressão por meio da imprensa e de notas oficiais.
Para o procurador, o argumento da Norte Energia de que Felício Pontes Júnior defende causa pessoal ao divulgar sua opinião em artigos publicados no blog reproduzido no site do ministério é infundado.
“O blog reproduz o entendimento de um dos membros do ministério que retrata o que, em diversas fases ao longo dos últimos dez anos, caracteriza uma violência a diversos direitos básicos da sociedade brasileira. Não há, portanto, uma distorção ou o uso de um site público”, concluiu Cazzeta.
Em fevereiro de 2010, dois dias após o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ter concedido a licença prévia autorizando a realização do leilão de concessão, membros do MPF no Pará anunciaram que, se necessário, processariam os técnicos do instituto que assinassem o documento. A AGU, então, decidiu entrar com uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público contra os procuradores e ameaçou ajuizar ações de improbidade administrativa contra os membros do Ministério Público que “violando seus deveres legais, abusassem de suas prerrogativas por meio de ações sem fundamento, destinadas exclusivamente a tumultuar a consecução de políticas públicas relevantes para o país”.
Procurada pela reportagem, a AGU, por meio de sua assessoria, informou que não iria se manifestar a respeito das declarações de Cazzeta.
Agência Brasil