E poder fazer de novo tudo que fazia há tanto tempo atrás. Por exemplo, poder correr pelos quintais atrás de um garnisé, ou mesmo atrás de um galo até que este perdesse a paciência e se transformasse de caça em caçador. Roubar ovos recém caídos no galinheiro dos vizinhos furá-los com um prego na ponta mais fina e sorver todo seu conteúdo. Coitados dos gambás e raposas que levavam a culpa. Na época de muito frio não se podia jogar bola na rua e, dentro de casa a bola de borracha, normalmente muito pesada, causava um estrago danado. Solução? Jornais velhos enrolados em formato de bola até um bom tamanho, então amarrados com barbante e envoltos com alguma meia velha (se não tivesse velha servia uma nova mesmo), e pronto! O arco dividindo a sala da copa o gol, suas cortinas as redes, e bola em jogo! Até que um pé de gancho acertasse aquele vaso esmaltado de estimação estraçalhando com as violetas. Claro que entrava em campo o cartão vermelho da sola do chinelo. Não sei por que cada vez que quebram algum vaso ou estragam flores, lembro dessa jogada! E quando as artes eram mais fortes e a bronca nos obrigava a escalar uma árvore para fugir da vara de marmelo e lá ficar esperando as coisas esfriarem? Mas nunca esfriavam e o traseiro é que ficava quente.
Não havia bergamotas, laranjas, peras, maçãs, caquis, mais gostosos do que aqueles roubados no pomar do vizinho. Era cada susto e cada fuga pelas cercas de arame farpado! Mas também, quem mandava ter frutas tão gostosas assim em seu quintal, ora!
Por falta de bolinhas de gude se pegava tampinhas de garrafas cheias de barro para que ficassem mais pesadas e elas viravam as jogadeiras. No Triângulo, ficavam as outras sem enchimento, mas cada uma com valor diferente. As de cerveja Malzebier, por exemplo, eram das mais valiosas por serem difícil de encontrar, talvez porque eram consumidas só pelas grávidas para ter mais leite para amamentar, sei lá! As de menor valor eram de Coca-Cola. Pode? E o jogo do imbo? Um braço no chão e bolinhas de gude, mas quando a terra era seca demais para fazer o buraquinho no chão, sempre tinha um de bexiga pronta, e amolecia o lugar com seu xixi. Terra mole, imbo feito. A gente sabia ser moleque e aprendeu a ser homem. Nunca mais tentei acertar com minha funda um pardal em pleno vôo depois de errar o alvo e acertar a vidraça da cozinha de casa. Também, porque atirar pedras nos outros se temos vidraças em nossas janelas, não? Mas que eu gostaria de voltar a ser moleque, gostaria. E como!
Antonio Jorge Rettenmaier, Escritor, Cronista e Palestrante. Visite nosso blog em www.ajorgespaceblog.com.br e mande seus comentários para [email protected]. Esta coluna está em mais de oitenta jornais no Brasil e Exterior.