Por Devair G. Oliveira
Manhuaçu – Mauricio do Nascimento comemorava o termino do curso e preparando para a formatura tudo estava pronto: comprou a espada de oficial, mandou fazer a roupa de formatura, já tinha a farda do quartel. O cadete com 22 anos, após ter concluído os quatro anos de estudo na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende RJ, estava a duas semanas da cerimônia de se tornar aspirante a oficial juntamente com seus colegas, dentre eles dois bem conhecidos, o general Mourão e o general Gonçalves Dias, aquele que aparece no Palácio do Planalto do dia 8 de janeiro.
Segundo o cadete Maurício um capitão que integrava o quadro de professores da Infantaria, arma escolhida por Nascimento, mandou chamar o jovem à sua sala. Já não havia mais aulas na Aman, a tradicional escola que forma oficiais do Exército.
“O senhor está desligado da academia. O resultado da sindicância vai ser publicado num boletim interno”, disse o capitão ao cadete. “Sim senhor, respondeu Nascimento, que bateu continência, deu meia volta e saiu da sala.
Segundo Nascimento, neste momento parece que ficou sem chão; um amigo o levou de volta ao Rio de Janeiro no mesmo dia. Ele ainda voltou à Aman no dia seguinte para entrega de material. Foi seu último gesto como aluno da Academia.
Desse dia em diante começa a saga de Mauricio tentando provar sua inocência, já recorreu a várias instancias e autoridades, mas parece que tem um espinho, ninguém quer mexer, os arquivos desapareceram. Um boletim interno da Aman de 28 de novembro de 1975 efetivou a exclusão do cadete. Anexo ao lado
4 anos de muitas atividades, estudos, treinamentos tudo concluído. Certificado, diploma e identidade militar registram uma conclusão formal do curso, mas o jovem cadete foi impedido de seguir a carreira militar, hoje ele poderia ser general, na pior das hipóteses coronel.
Na formatura da turma dois de seus colegas bem conhecidos, um foi vice-presidente da República de Bolsonaro, hoje Senador da República o General Mourão que chegou a general de Exército a mais alta patente possível, outro chegou a general de Divisão, também conhecido dos brasileiros da mesma turma o general GDias.
Para apagar uma punição injusta, severa aplicada a 48 anos atrás, Maurício segue sua batalha, já recorreu aos comandantes da Aman, comandante do Exército, ao ministro da Defesa do Governo Bolsonaro (PL) e em governos passados. Mourão teria dito a ele que iria dedicar ao caso, mas até agora nada. O aspirante da reserva, passou a maior parte de sua vida como funcionário público do Metrô do Rio – ele continua na RioTrilhos, começou a partir de 1998 a colher documentos sobre sua própria história na Aman, um vácuo de 25 anos.
“Eu não me sentia discriminado. Essa percepção surgiu com o tempo. Se eu fosse branco, não teria sido excluído”, relata Nascimento ao Jornal das Montanhas, em conversa por telefone. “Eu era o preto que não questionava, e aceitava o que lhe era imposto, é um preto de alma branca. Quando questiona é um neguinho abusado”. Relata Nascimento
“Depois que reuni documentos fornecido pela Aman de 1998 em diante também reuni informações sobre o que ocorreu em 1975. Esses elementos, penso que apontam para uma injustiça e uma necessidade de se anular a punição”. Diz Nascimento
“Veja os fatos, os documentos mostram: a sindicância durou 24 horas; a Aman apontou falta de “aptidão moral” e não tratou a exclusão como uma punição disciplinar formal; houve diferença de tratamento em relação aos investigados, com punição mais leve para nove (9) cadetes e exclusão para três (3); uma comissão de julgamento formada no mesmo dia da publicação das penas em boletim interno. Em três oportunidades fui informado pela Aman que não há no arquivo do estabelecimento de ensino os autos da sindicância, isso se deu nos anos 1998, 2014 e 2020. Diz Nascimento.
Um documento da Aman de 2 de agosto de 2021, ao negar a revisão da punição aplicada, trata o caso sendo um processo disciplinar. Isto abre uma brecha para anulação, segundo o ex-cadete, porque uma punição disciplinar pode ser anulada, em qualquer tempo e em qualquer circunstância pelo comandante do Exército.
Três meses antes desse documento, em maio, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército no governo passado, ele negou pedido para anular a punição. Ele argumentou que o cadete tinha dez (10) dias para recorrer, após a decisão do comandante da Aman. Isso só teria ocorrido pela primeira vez em janeiro de 1976, dois meses depois.
Segundo informa Nascimento ele recebeu cópias de cinco (5) folhas de boletim internos e cópia de uma pasta individual do então cadete. “A abertura da sindicância ocorreu em 25 de novembro de 1975, em razão de suspeitas de que doze (12) cadetes haviam colados em provas e o resultado do procedimento foi publicado no dia seguinte. As punições foram distintas: Nascimento e mais dois foram excluídos do curso de Infantaria, sem especificação clara sobre a infração cometida; nove (9) foram punidos administrativamente por até 30 dias de prisão, por “cola”, e um teve a mesma punição por ter mentido sobre a participação de colegas, conforme o boletim interno”. Diz Nascimento. Veja imagem do BO acima.
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR
Se o delito foi colar em prova; porque a punição foi severa para três e leve para (9) nove que cumpriram prisões de até 30 dias. “Eu nego ter participado de qualquer episódio de cola; minha exclusão se deu por racismo, por eu ser questionador. Diz o ex-cadete
MAURÍCIO DISSE QUE CONTINUARÁ SUA LUTA PARA PROVAR SUA INOCÊNCIA. O FATO ACONTECEU E FOI REGISTRADO EM BOLETIM DA AMAN, SÓ QUE OS ARQUIVOS DESAPARECERAM, PENSA UM POUCO COMO É A POLÍTICA DAS REPATIÇÕES PÚBLICAS, QUATRO ANOS É UM BOM PERÍODO, COM CERTEZA QUANDO OS FAMILIARES DOS CADETES SOUBERAM QUE TODOS SERIAM EXCLUÍDOS. É O QUE DIZ O REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO, ENTÃO NESTES 1440 DIAS LAÇOS DE AMIZADES FORAM CONSTRUIDOS, E AÍ IMAGINAMOS QUE OS FAMILIARES DESTES NOVE (9 CADETES) FIZERAM MUITOS PEDIDOS DE CLEMENCIA, E DOS DOZE, APENAS TRÊS QUE JÁ HAVIAM TERMINADO O CURSO FORAM EXCLUÍDOS.
Ele quer ser reformado como capitão, e receber salários retroativos a um período de cinco (5) anos, conforme diz a lei. SE não for possível resolver isso administrativamente, Nascimento partirá por via judicial.
“Eu queria ser militar, lutei pelo meu sonho de ser paraquedista. Não posso ser tachado de que não tinha aptidão moral”. Afirma Nascimento.
Ex-cadete que pediu para não ser identificado
Nossa reportagem ouviu um dos três cadetes (73) que foi excluído juntamente com Maurício. Segundo o aspirante a oficial, o fato ocorrido depois do termino do curso foi um choque para ele e sua família, “eu fui acordado três horas da manhã e vários oficiais fizeram uma rodinha e colocaram-me ao meio e aí começou o interrogatório vários oficiais, dentre eles me lembro do capitão Burnier, eles me pressionavam dizendo que eu tinha colado, e eu respondia que não, e realmente eu não colava, isso foi uma reunião informal, em uma outra vez, fui até ameaçado por um oficial que quase me agrediu. Os três que não colaram nas provas continuaram sendo pressionados e sendo acusando de outras coisas, no meu caso eu tinha dificuldade de nadar e me acusaram de não ter saltado de uma altura de 5 metros, na verdade nós fomos bode expiatório daquela turma, isso me fez desgostar da carreira militar e fui buscar meus objetivos fora da carreira militar, sou um funcionário público que tive sucesso na vida, graças o que aprendi no Exército, já meu colega Maurício vem tentando reintegrar no Exército por não se conformar com a situação”? Diz o ex-cadete.
Segundo explica o ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras Aman, o regulamento das escolas militares é bem claro o aluno que for pego colando é sumariamente excluído e os três alunos que negaram ter colado foram excluídos, mas os nove (9) que confessaram foram punidos com até 30 dias de prisão e dentre eles um é o general Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI.