Embora os grandes supermercados e shoppings ganhem cada vez mais espaços nas cidades, um antigo hábito permanece inabalável na vida dos mineiros: o de ir à feira. Trata-se de um antigo comércio ao ar livre que acompanha a história da humanidade e nunca sai de moda. Assim como as vitrines, as feiras mudam a cada estação, a cada geração. É o que aponta pesquisa feita por uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Alfenas, no Sul de Minas, coordenada pelo professor Marcelo Lacerda Rezende, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
O grupo percorreu cidades polo da região, como Alfenas, Três Pontas, Pouso Alegre, Itajubá, Poços de Caldas e São Lourenço, para fazer uma radiografia dos aspectos comercial e, principalmente, social da atividade. Constatou-se que a feira, além de ser procurada por causa das verduras frescas e frutas de época vindas diretamente do campo, oferece outros atrativos para a população.
“A principal surpresa foi constatar que a feira é um ambiente que vai além da questão da compra, com forte interação entre as pessoas”, comenta Rezende. Engana-se quem pensa que feira serve apenas para escoamento de produtos agrícolas. Os espaços são divididos com artesanato, roupas e até com religião. “Encontramos um pastor que vai à feira todo domingo para pregar e atender os fiéis da igreja dele”, lembra o professor.
A origem das feiras livres remete ao tempo do escambo, das trocas comerciais. Os produtos que sobravam nas propriedades rurais eram negociados com os vizinhos, mas com o aumento da demanda houve a necessidade da designação de um ambiente próprio para o comércio.
De acordo com a pesquisa, 90% do público que passa por uma feira, volta para casa com algum produto. Apesar da importância comercial, o estudo destaca que o comércio ao ar livre tem ganhado, cada vez mais, fortes contornos sociais e culturais. “A feira representa um pouco da sociedade daquela cidade. É quase uma mostra do que esta acontecendo ali e aí essa parte da cultura a gente vê muito presente. Às vezes tem música, apresentação cultural, pessoas divulgando campanhas de prevenção contra doenças”, explica Rezende.
Metodologia da pesquisa
O estudo das feiras no Sul de Minas começou em 2007 e é baseado em entrevistas com os organizadores nas prefeituras dos municípios visitados. Além disso, também foram realizadas pesquisas de opinião com 50 frequentadores em cada cidade. O objetivo era identificar o perfil do socioeconômico do consumidor. De acordo com Marcelo Rezende, a feira reúne elementos suficientes para traçar a identidade de um povo.
A partir da análise dos dados foi possível concluir que o público das feiras nessas cidades é bastante heterogêneo em relação à idade, renda, escolaridade e profissão. A média de idade varia entre 43 e 52 anos e a renda das famílias é, em média, superior a R$ 1,5 mil.
Os produtos mais procurados, em todas as cidades, são as verduras e legumes. As frutas são procuradas por mais de 90% dos consumidores, menos em Três Pontas, que registrou apenas 56,25%. “Essa diferença no consumo de frutas em Três Pontas foi uma das particularidades. Percebemos que lá as pessoas encontraram alternativas para o consumo do produto. Já em Poços de Caldas detectamos grande participação de turistas”, pontua Rezende.
Apesar de a pesquisa não ter abrangido Belo Horizonte, ninguém duvida que a situação é a mesma. Há locais onde, além de comprar hortifrutigranjeiros, os frequentadores aproveitam para curtir uma cervejinha com tira-gosto, como o tradicional torresmo mineiro, caldos e muito mais.
Alerta à saúde
Mesmo com a variedade de atividades possíveis em uma feira, o estudo desenvolvido no Sul de Minas mostra que o consumo ainda é o mais forte. “Pode-se perceber que nas seis cidades estudadas, mais de 90% dos passantes são consumidores”, assegura o coordenador da equipe, no relatório final do trabalho.
O alto percentual de consumo pode ser associado à ideia de que a feira é um local propício à obtenção de alimentos que proporcionam uma alimentação saudável, o que não é totalmente verdade. O estudo alerta para a falta de fiscalização nas feiras livres das seis cidades visitadas.
“Tivemos a oportunidade de ver alimentos prontos, mas não a fiscalização. Não há garantia do que está sendo vendido ali. Estudos como estes são fundamentais para subsidiar políticas de saúde e nutrição. Somente assim será possível estabelecer estratégias de atuação tanto no campo econômico como no social”, conclui Rezende.
Agência Minas