João Guilherme Sabino Ometto*
O programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), objeto de Medida Provisória publicada no penúltimo dia de 2023, aderente ao compromisso da transição energética aprovado na recente COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), é mais uma etapa da pioneira trajetória do Brasil na trilha da descarbonização. Essa história começou há 49 anos, quando sequer se falava em aquecimento terrestre, com o lançamento, em 1975, do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). À época, foi uma eficaz alternativa à majoração do petróleo no mercado internacional.
O passo seguinte do nosso país nessa agenda decisiva para a humanidade ocorreu há 21 anos, em 24 de março de 2003, quando foi apresentado o automóvel flex. A então revolucionária tecnologia criada por nossos engenheiros possibilitou, pela primeira vez no mundo, o abastecimento de um veículo com etanol, gasolina ou a mistura de ambos em qualquer proporção.
Hoje, a grande maioria de nossa frota de carros conta com esse tipo de motor. Tratou-se de uma resposta ao encarecimento dos combustíveis fósseis provocado pelos conflitos no Oriente Médio, em especial a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, mas que se tornou solução de caráter ecológico, pois tem contribuído de modo significativo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
É importante lembrar essa jornada brasileira, pois sem as iniciativas emblemáticas aqui citadas seria impossível a instituição do Mover. O programa pode consolidar o Brasil como protagonista na luta contra as mudanças climáticas, à medida que impulsiona a produção nacional de veículos menos poluentes. Nesse sentido e considerando os investimentos a serem feitos pelas indústrias e a geração de muitos empregos, acredito que os incentivos fiscais de R$ 19,3 bilhões até 2028 terão boa relação custo-benefício para a economia e a sociedade.
Afinal, o Mover estabelece tributação diferenciada para veículos sustentáveis, estimula atividades de pesquisa e desenvolvimento na indústria e cria requisitos obrigatórios para a comercialização de carros produzidos no País e a importação. Com a meta de reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030, aumenta as exigências ambientais obrigatórias para a frota automotiva e fomenta a inovação tecnológica.
Em relação ao seu antecessor, o Rota 2030, implementado em 2018, o novo programa apresenta avanços expressivos. Dentre as mudanças destaco sua definição como política de “Mobilidade e Logística Sustentável de Baixo Carbono”, proporcionando a inclusão de todos os tipos de veículos capazes de reduzir danos ambientais.
Uma relevante novidade do Mover refere-se à medição do carbono “do poço à roda”, ou seja, considerando todo o ciclo da energia utilizada. No caso do etanol, combustível estratégico na luta contra as mudanças climáticas, os volumes expelidos passam a ser dimensionados desde a plantação da cana-de-açúcar até a queima nos motores, abrangendo a colheita, processamento e transporte. O mesmo critério vale para a bateria elétrica, gasolina e biocombustível. O avanço tecnológico está presente também no cultivo e industrialização da cana-de-açúcar.
Na prática, o Brasil torna-se o primeiro país a utilizar esse modelo. Tendo participado de grupos técnicos de trabalho no âmbito do desenvolvimento do Proálcool e dos carros flex, venho defendendo há anos esse sistema de mensuração, pois é o mais preciso para se aquilatar a pegada de carbono de cada combustível automotivo. Em fevereiro de 2021, publiquei artigo citando pesquisas, agora referendadas por estudos mais recentes, que já apontavam as vantagens ambientais do etanol até mesmo sobre carros elétricos abastecidos com energia de fontes fósseis e não renováveis ou nuclear.
Na comparação com veículos integralmente movidos com eletricidade brasileira, dada a predominância de hidrelétricas em nossa matriz energética, o etanol fica em segundo lugar, com pequena diferença, como o menos poluente, mas com ampla vantagem ante as fontes elétricas europeia e chinesa. Assim, nosso álcool hidratado, que se antecipou a todas as alternativas no processo de transição energética da frota automotiva, é estratégico e imprescindível no combate ao aquecimento da Terra, considerando as baixas emissões, a grande capacidade de produção e o sequestro de carbono nas lavouras da cana-de-açúcar. Todas essas vantagens estão muito claras no conteúdo do Mover.
Com a energia limpa das hidrelétricas, das usinas solares e eólicas, dos biocombustíveis e do etanol, o Brasil vai consolidando sua posição de vanguarda na agenda do clima. É o advento de um futuro que começou a ser escrito há quase meio século.
*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).
Foto: João Guilherme Sabino Ometto