O sequestro de Ingrid Betancourt assemelha-se a condenação à morte da iraniana Sakineh Ashtiani em razão de envolver o risco de perder a vida. O da colombiana por questões políticas ou criminosas de um grupo guerrilheiro; o da iraniana, por violação a valores morais e a discriminação absurda e ao calvário imposto às mulheres naquele país. Ambos muito graves, mas o da colombiana já teve um final feliz. O mundo precisa mostrar sua força para conseguir um final semelhante para o atual.
Sentenciados à morte aparecem em vários países do mundo, independente de sistema de governo. Condena-se à morte tanto nos democráticos Estados Unidos como na ditatorial China. Esta sentença de morte causou comoção apenas pela modalidade, uma vez que a iraniana foi condenada ao apedrejamento. O mundo inteiro precisaria se unir para banir de vez a pena de morte em qualquer país, assim como extinguiu a escravidão oficial. A Organização das Nações Unidas deveria encampar essa iniciativa e buscar disseminar para se tornar um movimento que envolvesse a sociedade mundial, como há hoje o da defesa do meio ambiente.
Difícil mesmo é convencer a mudar um país que afronta o mundo com ameaças. Mas qualquer dificuldade não pode servir de empecilho às iniciativas para salvá-la da pena de morte. Ao contrário, é preciso formar correntes de pessoas, artistas, músicos, desportistas e, principalmente de autoridades governamentais. Cobrar também a atuação incessante de ONGs, igrejas, sindicatos, enfim, de todos os segmentos sociais, de todas as crenças e de não crentes.
Não poderia a mídia se restringir a noticiar, e somente quando famosos estão envolvidos ou quando os casos são escabrosos, como essa morte por apedrejamento. Não há mais notícia sobre outros prisioneiros que estão passando pelo mesmo sofrimento a que Ingrid Betancourt foi submetida. Depois que foi libertada, não se toca mais no assunto.
Não vem ao caso a questão de valores, pois a relatividade e a diferença de culturas não permitem valorar o que poderia ser punido com pena de morte ou não. Os Estados não devem matar nem como punição por outra nem por valor moral algum.
No início do noticiário, após demonstrar amor fraterno ao ditador-chefe do Irã, o governo brasileiro chegou a oferecer asilo político à condenada. Era apenas um jogo de marketing ou campanha eleitoral antecipada realizada pelo segundo Deus, depois de Pelé.
Depois da pressão inicial, o governo iraniano foi “benevolente” e trocou a modalidade da execução. Foi um verdadeiro cala-boca. O mundo e a mídia emudeceram sobre o fato. Mas essa pressão deve ser contra todos os países que aplicam a pena capital, e não apenas contra o Irã. Dos Estados Unidos à China, sem se esquecer de Cuba.
Qualquer que seja o procedimento, o resultado é o mesmo: a perda da vida. Aguardar uma morte certa, de forma absolutamente impotente, deve trazer um sofrimento e uma agonia mais intensos do que a própria morte. É preciso universalizar e consagrar a consciência de que todos podem errar e que nenhum erro deve ser repreendido com a vida, qualquer que seja a filosofia, a religião ou a crença de um povo. Pois são exatamente as religiões quem defendem o perdão, a condolência como virtudes essenciais ao ser humano.
Assim como dissera com relação à Ingrid Betancourt de que qualquer um, ou mesmo algum parente, poderia estar no lugar dela, o mesmo vale para Sakineh Ashtiani. A manifestação de cada um se faz necessária e é o mínimo que se pode fazer. Além disso, manter a mobilização para extinguir a pena de morte da face da Terra.
Apenas sob o aspecto da solidariedade, sem entrar no mérito se o erro existiu nem se e a lei prescreve pena de morte para o caso, todos deveriam se sentir um pouco no corredor da morte como Sakineh Ashtiani, e externarem ao governo do Irã que, ao matá-la, estará matando um pouco cada cidadão desse planeta.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bel. Direito