O MAIOR ESCULTOR PORTUGUÊS SUICIDOU-SE HÁ 121 ANOS
Por Humberto Pinho da Silva
Em vésperas de Santo António, o atelier de Soares dos Reis, sito na rua de Camões, em Gaia, engalanava-se para receber visitas. Arrimavam-se as esculturas; cobriam-se de panos brancos, os esboços; penduravam-se vistosos balões; acendiam-se as velas; e para concluir, o artista suspendia enfeites, de papel crepe, de várias cores.
Sobretarde, ao declinar do dia, chegavam os convidados, entre eles, apareciam: Henrique Pousão, Souza Pinto, Tomás Costa, Teixeira Lopes, Marques Guimarães, Diogo José de Macedo.
Serviam-se, em bonitas bandejas de porcelana, doce de chã da “ Palaia” – estabelecimento que ficava na rua do Bonjardim, no Porto, – e biscoitos de Valongo; abriam-se garrafas de “Porto”, da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro; e quando a festa atingia o auge, o anfitrião dedilhava, nas cordas de velho violão, trechos da “ Marcha de Luís XIV”.
Conversava-se sobre Arte, e de conhecidos artistas plásticos que residiam na Cidade da Luz; os que pretendiam estar à la page, liam e comentavam o folhetim de “ A Palavra”, onde experimentado jornalista, desassombradamente, desancava na política e nos políticos da capital.
Eram festas modestas, mas de intelectuais, onde imperava respeito e dignidade.
Tinha o escultor índole amarga, frontalidade que se confundia de grosseria e agressividade. Os íntimos – e poucos mais, – conheciam-lhe o coração terno e a apurada sensibilidade hipersensível.
Insignificante falta de atenção, frase não concluída, era bastante para o deixar em atroz ansiedade.
Tinha Soares dos Reis numerosos detractores. Contribuiu para isso, o jeito agreste e rude como se exprimia.
Frequentemente citava Boileau: “ Un sot, trouve toujours un plus sot qui l’admire”.
Ao analisar trabalho alheio, não se inibia de declarar, se não fosse de seu agrado: “ É uma borracheira! …”
Detestava os políticos, mormente os hipócritas, que para ele eram quase todos; considerava-se democrata e católico, mas poucas vezes ia à missa. Escrevia muito pouco e carteava-se ainda menos.
Em dias santos realizava longos passeios a pé, por: Paço de Rei, Quebrantões, Gervide e Lavandeira. Levava casaco comprido, botas-de-elástico enlameadas e cabelo desamanhado.
Fascinava-se com a beleza campestre, o sossego das bouças, o trinar dos passarinhos, o sussurrar embalador dos córregos e a beleza das flores silvestres que atapetavam os verdes campos de Oliveira do Douro.
Quando se apaixonou pela delicada esposa, mudou por completo. Mandou fazer, na Alfaiataria Rocha, bonito fraque e substituiu as cambadas botas-de-elástico, por modernas de cordão. Passou a cuidar o cabelo e amiúde frequentava o barbeiro.
Se o tempo não permitia andar pelo campo, recolhia-se no Clube Recreativo de Mafamude, jogando bilhar e dominó.
Numa hora de extremo desespero, que o levou ao suicídio, escreveu no papel de parede do quarto: “ Sou cristão, porém nestas condições, a vida, para mim, é insuportável. Peço perdão a quem ofendi injustamente, mas não perdoo a quem me fez mal.”
Soares dos Reis – o maior escultor português nasceu em Santo Ovídio (Gaia), numa terça-feira, a 14 de Outubro de 1847. Foram seus pais, Manuel Soares Júnior – proprietário de mercearia, onde o filho era marçano, – e D. Rita do Nascimento.
Foi baptizado na Igreja de Mafamude pelo Padre Francisco Ribeiro de Moura, e teve como padrinhos: Santo António e D. Ana Maria de Jesus.
Desde cedo mostrou tendência pelo desenho. Na escola ( a do Cabeçudo) retratou, às escondidas, o professor, o Sr. Matos. Descoberta a falta de atenção, o mestre não lhe bateu, e terminada a aula andou a mostrar, admirado, o talento do aluno.
Pouco depois, os pintores Francisco José Resende e Diogo de Macedo, este último, avô da esposa de Soares dos Reis, ao conhecerem o extraordinário valor do rapaz, convenceram o pai a matriculá-lo na Academia de Belas Artes.
Entrou na Escola a 1 de Outubro de 1861; seis anos depois partia para Paris, como bolseiro do Estado. Devido à guerra franco – prussiana, desloca-se, após três anos, para Roma, onde na rua de S. Nicolau, 4, esculpiu o fabuloso “ Desterrado”.
Regressa à Pátria, em 1872, torna-se em 1881, professor da Academia Portuense de Belas Artes.
A16 de Fevereiro de 1889, suicida-se na sua casa da rua de Camões, em Gaia.
Casou a 15 de Julho de 1885, com D. Amélia Aguiar de Macedo. Do matrimónio nasceram: Fernando de Macedo Soares dos Reis, que faleceu com 27 anos (Estudou no Colégio dos Órfãos. Foi empregado da Foto – Bazar e do Banco Comercial do Porto. Era um entusiástico pelo Esperanto) e Raquel Soares dos Reis, que morreu solteira.
Quarenta e dois anos após a sua morte – em Portugal é assim que se tratam os artistas de nomeada, porque os outros morrem à fome, se não se tornam políticos à força, – concederam à viúva e filha, a pensão de mil e quinhentos escudos mensais, por despacho de 2 de Março de 1931, do Presidente Óscar Fragoso Carmona, como gratidão da Pátria à família do genial escultor.
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