Há mais de um século, a escravidão foi abolida oficialmente no Brasil. Mas alguns dados revelam que, ainda hoje, os negros não são tratados de forma igualitária no país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), negros ganham menos, trabalham mais e em piores ocupações. Também são os mais afetados pela violência e trabalho infantil.
Em entrevista à Radioagência NP, o integrante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro), Douglas Belchior , disse que a conquista efetiva dos direitos dos negros vem por meio da luta. Para ele, a pauta do movimento negro condiz com a dos trabalhadores, e, sendo o Brasil um país racista, é um debate que deve ser valorizado.
Radioagência NP: Douglas, com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, o Brasil tornou a escravidão inconstitucional. Qual balanço que se faz deste marco até os dias atuais?
Douglas Belchior: São 121 anos de opressão, de desigualdade social e de racismo. Essa desigualdade social, essa inconsistência em relação à qualidade de vida do povo negro é uma marca do século passado que ainda continua. São 121 anos que também se casam com o período republicano, em que as políticas universais não conseguiram garantir qualidade de vida, acesso e oportunidade ao povo negro.
RNP: Dentro de um contexto de crise mundial, a desigualdade se aflora?
D.B: O povo negro, para falar especificamente do Brasil, é sempre o alvo preferencial, inclusive do próprio sistema capitalista. Percebemos isso nos levantamentos e nos estudos. O povo negro continua ocupando majoritariamente a base da pirâmide social, a maioria esmagadora dentre os mais pobres do Brasil são os negros, a juventude negra continua sofrendo com o autoritarismo e com a violência estatal, as mulheres negras são mais vítimas da violência doméstica, de violência sexual. O povo negro é atingido de uma maneira diferenciada por esse sistema da desigualdade, que é o sistema do capital. Diante das demissões em massa que vem ocorrendo, o povo negro já é maioria entre os demitidos.
RNP: Em 2001, começou-se a implantar o sistema de cotas raciais em universidades, ainda hoje o assunto é tema de muitas discussões. Qual é a análise desta medida?
D.B: A cota é uma política pública extremamente necessária, porque nós sabemos que o ensino superior no Brasil tem um público limitado e elitizado. O debate sobre cotas faz explicitar o debate sobre o racismo brasileiro, o que é extremamente necessário. O racismo brasileiro é um elemento crucial e um dos eixos de manutenção da opressão no Brasil, das desigualdades sociais, e da luta de classes. Acho que a pergunta é: Nós avançamos? A população, de maneira geral, entende? A população está entendendo um pouco mais que isso é importante, e, na mesma proporção, a reação conservadora vem para desconstruir essa ideia.
RNP: Pela primeira vez, um negro está na presidência dos Estados Unidos. Essa eleição representou um avanço da questão racial?
D.B: Essa valorização de que o negro deve estar nos espaços de poder a qualquer custo e mesmo que seja em um sistema desigual, como o sistema do capital, não é um pensamento que nós, da Uneafro, defendemos. Não tenha dúvidas de que a eleição de Barack Obama, do ponto de vista simbólico, vale muito. Agora, do ponto de vista político, de mudança de sistema como um todo, de mudança de paradigmas, falta muito. Apesar dos indícios de algumas ações novas que o Barack Obama traz para a mesa, ele não propõe rompimento com a linha de pensamento, com o neoliberalismo. E isso para nós é muito complicado, porque a gente sabe que o povo negro é a principal vítima do neoliberalismo e do capital.
De São Paulo, da Radioagência NP, Ana Maria Amorim.