Brasília – Pouco mais de um terço (35%) das escolas públicas brasileiras tem tráfico de drogas nas proximidades. Separados os estados e o Distrito Federal (DF), a proporção sobe. No DF, mais da metade dos estabelecimentos (53,2%), a maior proporção do país, registram a ocorrência de venda e compra de drogas nas redondezas. Nenhum estado está livre. A menor ocorrência, no Piauí, com 15,3% das escolas. Os dados foram levantados pelo QEdu: Aprendizado em Foco, uma parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann., organização sem fins lucrativos voltada para educação.
A pesquisa se baseou nas respostas dos questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), divulgada em agosto do ano passado. A questão sobre o tráfico nas proximidades das escolas foi respondida por 54,5 mil diretores das escolas públicas. Deles, 18,9 mil apontaram a existência da atividade. A situação, de acordo com especialistas, é preocupante e está associada diretamente à violência e à precariedade que cercam muitos centros de ensino do país, além de contribuir para que os alunos deixem de estudar.
O responsável pelo estudo, o coordenador de Projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins, diz que não dá para isolar escola no contexto em que está inserida. “Ela faz parte de um todo maior, se há violência fora, poderá chegar também aos centros de ensino. Basta observar que o Distrito Federal [53,2%] e São Paulo [47,1%], [regiões] com altos índices de violência, são [as áreas] com o maior percentual.”
Outro problema que advém da situação é a evasão escolar. Para a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, a evasão deve ser uma das grandes preocupações dos governos. “Muitos jovens acabam deixando os estudos pela proximidade com as drogas. Isso gera um problema ainda maior que não pode ser ignorado”, diz. A porcentagem (de 35%) constatada pelo estudo, segundo ela, seria alta mesmo que fossem 10% ou menos. Para ela, a escola deve ser um local de cuidado e aprendizado.
Morador do Distrito Federal, o coordenador intermediário de Direitos Humanos e Diversidade na Regional de Ensino do Recanto das Emas (região administrativa do DF), o professor Celso Leitão Freitas, confirma os dados e diz que o tráfico próximo às escolas é mais comum do que se imagina.
“As ocorrências são diárias. Pensamos que é um problema só do aluno, mas, quando se vai atrás, a família toda está envolvida com drogas e ele traz esse hábito de dentro de casa”. Freitas é prova de que o tráfico está associado à violência, tanto entre pessoas, quanto a que chamou de estrutural: a falta de serviços básicos. “Aqui presenciamos a falta de moradia, de educação, a falta de benefícios econômicos como um todo.”
Os programas para combater o uso de drogas são vários, tanto governamentais quanto iniciativas privadas, e é consenso que para mudar a realidade nas proximidades da escola é preciso modificar a realidade da comunidade, por meio de assistência social e acesso a políticas públicas e a itens básicos como saúde, saneamento, alimentação, além de uma educação de qualidade.
Para combater o tráfico e ajudar os alunos, ainda enquanto era professor, Freitas resolveu tomar uma iniciativa ele mesmo: criou o projeto Estudar em Paz, para resgatar o interesse pelos estudos. “A comunidade perdeu o encanto pela escola, precisamos resgatar isso. Ao mesmo tempo, as ruas estão cada vez mais ‘encantadoras’, cada vez mais estamos perdendo nossos alunos para o trafico”, acrescenta.
O estudante Natanael Neves, de 18 anos, fez parte do grupo Estudar em Paz. Dos tempos de escola, ele conta que não tinha a menor paciência, bastava “não ir com a cara” da pessoa para já começar a bater. E a violência estava lado a lado com o tráfico. Apesar de não ter feito o uso de drogas, ele viu colegas consumirem tanto nas ruas, quando dentro da escola, em São Sebastião (região administrativa do DF).
“O local tinha policiamento, mas os guardas ficam com medo. O pessoal sabe e [usar drogas] já é algo quase normal”. A agressividade foi algo que herdou de casa. Ele diz que queria chamar a atenção dos pais. A vida pessoal acabava chegando às salas de aula: “Na escola você só aperfeiçoa o que aprende em casa.”
Hoje, Natanael se diz uma nova pessoa, foi aprovado para o curso de gestão pública pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e pretende voltar ao ambiente escolar depois de formado para mudar a realidade. Ele diz que perdeu as contas dos amigos que deixaram as salas de aula por problemas com tráfico e violência.
Mariana Tokarnia
Repórter da Agência Brasil