Anos de ouro do rádio

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Anos de ouro do rádio
Melodiaweb.com, sábado, 6 de agosto de 2011

 

Em 1922, por ocasião do Centenário da Independência do Brasil, foi inaugurada a radiodifusão brasileira, com a primeira transmissão realizada no Rio de Janeiro.
No mesmo ano, nos Estados Unidos, surgiu a primeira emissora comercial, a WEAF, de Nova Iorque, criada pela companhia telefônicaAmerican Telephone and Telegraph (atual AT&T). A primeira emissora do Brasil foi a Rádio Sociedade, no Rio, fundada por Roquette Pinto eHenrique Morize.
Em um Brasil ainda sem televisão, viveu-se a época do auge do sucesso desse meio de comunicação, a chamada Era do Rádio, onde nomes famosos, como o do gaitista Maurício Einhorn começaram a destacar-se (Revista Veja, 2.11.2005, pág.114).
“Mamãe eu quero, mamãe eu quero. Mamãe eu quero mamar! Dá a chupeta, dá a chupeta, ai, dá a chupeta. Dá a chupeta pro bebê não chorar!”[1] (autoria Jararaca E V. Paiva) cantada por vários cantores da década de 20 e 30, mas lembrada e interpretada principalmente pela saudosa Carmem Miranda. Foi com esta marcha de carnaval, que iniciou o documentário sobre a Era do Rádio, com duração de aproximadamente 50 minutos, exibido pelo Multi Show, que pertence a GloboSat Programadora Ltda.

Nesse programa foram realizadas entrevistas com profissionais do rádio (locutores, atores, atrizes e cantores) os quais deram seus depoimentos sobre como a denominada era do rádio ou era do ouro, entusiasmou e fez tremendo sucesso no Brasil.
Por outro lado, no começo nem tudo era entusiasmo, em conseqüência do amadorismo radiofônico. Caso um espectador liga-se o rádio, ele não teria uma audição uniforme dos programas que iam ao ar, pois, eram cheios de ruídos, ou então alguns cantores em pleno ao vivo, afinavam seu violão ou ensaiavam, enquanto isso o ouvinte esperava, fato esse que hoje é inconcebível. Mas mesmo assim, a nova era da comunicação a longa distância dava sua arrancada para uma nova história.
O crédito da criação do rádio, no final do século XIX, é atribuído ao inventor e cientista italiano Guglielmo Marconi, da cidade de Bolonha, na Itália. Depois de um período, em 6 de abril de 1919, no Brasil, é implantada a Rádio de Pernambuco por Oscar Moreira Pinto, no Recife. Entretanto, o maior destaque nacional aconteceu mesmo em 1922, através de Edgard Roquete Pinto (considerado pai do rádio no Brasil) que difundiu o meio radiofônico e também a cultura popular, sem num primeiro momento ter pretensões ideológicas de manipulação das massas (Indústria Cultural). Sendo que nesse ano, foi transmitido o discurso do presidente da época Epitácio Pessoa para comemorar o Centenário da Independência, realizada no Corcovado, no Rio de Janeiro.
A era do ouro do rádio e o início da Indústria Cultural
A implantação desse meio de comunicação veio de norte ao sul do país transformar e influenciar a vida das pessoas. Aqueles que não ouviam o rádio e não ficavam sabendo das últimas informações eram considerados fora da realidade, porque ao entrar em rodas de conversa não podiam comentar dos programas transmitidos pelo rádio, ou do novo cantor/cantora, com isso eram tachados de outsider[2]. Na atualidade isso ocorre principalmente com as transmissões televisivas.
Como exemplo de cantores/cantoras da época famosos, pode ser citado: Francisco Alves, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba (rainha do rádio), Bob Nelson (símbolo sexual), Carmem e Aurora Miranda, entre muitos outros. Um dos programas musicais que cativaram o ouvinte foi o do locutor Ademar Casé, que pagava aos cantores e exigia exclusividade. “(…) o rádio pos à disposição de milhões de ouvintes um repertório musical ao qual, até só se podia ter acesso em determinadas ocasiões” (ECO,1998, p.316-317).
Além do auge dos programas musicais, as radionovelas, abalavam e prendiam o receptor em frente ao rádio para não perderem nenhuma parte da história. De 1950 a 1955, o rádio, transmitiu a novela mais longa de caráter nacional, isso seduzia os ouvintes que liberavam suas imaginações e construíam em suas mentes o cenário que quisessem.
Já o Repórter Esso, um dos programas jornalísticos de destaque da época, considerado imperdível, ficou no ar por 25 anos, unindo o Brasil e informando a todos sobre os fatos nacionais e internacionais, foi por ele que muitos espectadores não deixavam de ouvir as últimas notícias da Segunda Guerra Mundial. Outros programas que marcaram a história do rádio brasileiro foram: Os calouros do Ary; O Trem da Alegria; Gerônimo, o Herói do Sertão; Tancredo e Trancado; A crônica da Cidade; e A felicidade bate à sua porta.
Em 1932 pela autorização do governo Vargas houve a inclusão de publicidade no rádio que gerou a esse meio uma elevação comercial e popular. Nesse ínterim, lançou-se o primeiro dingo publicitário sobre uma padaria localizada no Rio de Janeiro, a Padaria Nássara, propaganda essa que foi criada especialmente conforme o desejo do proprietário, e daí em diante não pararam mais de serem inclusas propagandas no rádio. Duarte (2003, p.68) cita a opinião de Horkheimer e Adorno a respeito da publicidade, a qual é taxada como “elixir de vida da indústria cultural, encetando o infindável circuito de promessas e frustrações que mantém a economia em funcionamento”.
Como diz o ditado popular, a propaganda é a alma do negócio, uma propaganda bem feita traz venda e frisa a marca na mente dos consumidores, por ela a indústria cultural tem se mantido firme, e conseguido seus objetivos, vender, vender e vender. Enquanto, muitos adquirem coisas advindas do seu fetiche incitado pela indústria cultural, sem pensar na utilidade do objeto e na conta a pagar, as pessoas vão cada vez mais se afundando no barro, e sem perceber estarão sujas com sua própria incensatez e arrancando os cabelos para pagar as contas. Mas mesmo assim, querendo comprar mais e mais. “O inimigo que se combate é o inimigo que já está derrotado, o sujeito pensante” (ADORNO, p.140).
Ainda na década de 30 se instaurou a comercialização com a rádio Philips, esse um dos indícios evidentes da implantação da Indústria Cultural que permanece até hoje, no rádio, nos jornais, na Internet e no veículo mais acessado por todos na face da terra: a televisão. A Rádio Nacional com características luxuosas mantinha os melhores cantores, atrizes/atores, orquestra, possuía tudo da melhor qualidade. Em pleno 2007, essa rádio ainda está no ar, 60 anos depois de sua primeira transmissão, é considerada, o berço dos programas de auditório e radionovelas da história do país, mas hoje poucos a escutam, porque o rádio perdeu espaço para a televisão.
Criada em 1936, a Rádio Nacional, esteve por anos em primeiro lugar no ranking nacional do meio radiofônico brasileiro, lançada durante o governo de Getúlio Vargas (Estado Novo) e após a Primeira Guerra Mundial, tornou-se um meio de unir o país de norte a sul. Pois o Brasil precisava de uma voz para impedir qualquer incidente inoportuno que viesse afetar a segurança nacional. “Ela surgiu pela razão e acabou ganhando o coração”[3]. Não existiam anunciantes para mantê-la no ar, mas era subsidiada pela sociedade, ou seja, apoio cultural. Seus programas eram copiados de países estrangeiros, principalmente modelos americanos, tudo considerado novidade para o povo brasileiro, e pode-se dizer que a indústria cultural estava sendo ativada no contexto comunicacional, fato inevitável.
Em plena década de 50 foram às transmissões dos jogos de futebol que cativaram a atenção do ouvinte que pela locução enfeitada ficava preso ao rádio. As locuções emocionavam e aumentavam a imaginação dos ouvintes que sempre ficavam com o coração na mão, por acharem que sempre era perigo de acontecer um gol, nesse período dá para dar ênfase no trabalho do locutor mais famoso da época, Ari Barroso. Era assim, que pelos jogos, pelas radionovelas, pelos cantores, que o receptor criava imaginação de como seriam as pessoas do rádio.
Aproveitando a curiosidade coletiva então o cinema trouxe os profissionais do rádio para as telas. Segundo Alice Gonzaga, cineasta, em entrevista ao multi show, a junção do rádio com o cinema fez com que o cinema seguisse as mesmas diretrizes do rádio: história mais musical mais enquête, “cinema e rádio ficaram de mãos dadas, casamento do rádio, música e cinema”. Enfim, o rádio criou no povo a vontade de ver os ídolos e o cinema se aproveitou disso, isso é uma peculiaridade da indústria cultural. Criar necessidades antes inexistentes no público para então oferecer os produtos à venda e suprir tais necessidades criadas, gerando assim lucro. Segundo Adorno (1991, p. 124) “(…) o sistema da indústria cultural provém dos países industriais liberais, e é neles que triunfam todos os seus meios característicos, sobretudo o cinema, o rádio, o jazz e as revistas”.
Desde a era do rádio, a indústria cultural não parou mais, depois veio à televisão, à internet, várias formas para inculcar, apenas se importando com o efeito, ou seja, o lucro acima da qualidade.
O que importa é que esse produto chegue às massas. Toda essa estratégia de divulgação e consumo propicia a larga manipulação também dos meios de comunicação pelos produtores de marketing, os quais, pelo próprio métier, têm o poder de influenciar os meios de comunicação, a fim de criar, no público-alvo, novas necessidades de consumo de, também, novos produtos[4].
A indústria cultural transforma o ouro em barro
“A indústria cultural permanece a indústria da diversão” (ADORNO, 1991, p.128).
Por seu caráter polissêmico, o veículo em questão, pode ser ouvido em vários lugares onde está seu ouvinte, em casa, na lanchonete, no carro, até na rua com um rádio de bolso, além disso, sua forma de contatar seus ouvintes é direta e deixa o receptor à vontade. Hoje a diversidade radiofônica é abundante, elas podem ser analógicas, digitais, não importa, em termos tecnológicos e qualidade do som muda bastante, mas em termos ideológicos e influência ao ouvinte continua.
Durante a leitura do texto, o caro leitor deve estar procurando uma relação com o título, da era do ouro para a era do barro. Apesar de aparentemente não ter nada haver, está tudo interligado, pois o rádio foi intitulado a era do ouro, mas hoje se pode considerar que ao invés da comunicação radiofônica ou qualquer outro meio subir de nível e ir para a era do diamante, decaiu muito e destinou-se à era do barro.
A era do barro e a era do diamante são inexistentes nos livros como termos de classificação, porém, ao analisar a inserção no contexto comunicacional da indústria cultural[5], percebe-se que a era do barro é a única classificação merecida atualmente aos meios, porque cada vez mais a tendência é para manipulação massiva. “O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural” (ADORNO, 1991, p.118).
A tal ponto que os manipulados, estão já com a mente cauterizada, e, por exemplo, se um manipulado houve uma música diferente da que está acostumado a ouvir, reage de forma por vezes até agressiva e não gosta do que ouve, pois vai contra ao que está acostumado, reação típica de quem já é receptor passivo da indústria cultural[6].
Esse sistema procura saber as necessidades latentes da massa, através de questionários feitos à população, a chamada manipulação retroativa, pois é a partir das necessidades latentes da população que a indústria cultural produz e lança seus produtos. Com um discurso anticapitalista, manipula e engana. Duarte apud Adorno (2003, p. 145) entende que a indústria cultural “não é arte dos consumidores, mas o prolongamento da vontade dos poderosos na das suas vítimas”.
Não é necessário analisar muito para perceber o caráter capitalista e consumista da indústria cultural, mas nem todos querem analisar, pensar, preferem serem consumidores passivos, e optar por esse ou aquele produto, sem verificar se vai ser útil ao seu cotidiano. Não importa o veículo, seja rádio, televisão, jornal, revista ou internet, mas importa o efeito gerado, o consumismo massivo.
A indústria cultural é uma produção dirigida para o consumo das massas segundo um plano pré-estabelecido, seja qual for à área para a qual essa produção se dirija. Em outras palavras, deve-se ter em mente que há uma estreita inter-relação entre a produção e o consumo, a primeira determinando o que deve ser consumido e vice-versa[7].
Não existe uma sociedade de consumo uniforme, pois, a diferença das classes sociais impede tal situação, mesmo que o papel da indústria cultural seja vender e vender, muitas vezes o que ela oferece fica inacessível ao grande ao público. Apesar disso, ainda há os escravos desse sistema que compram o objeto de desejo, mesmo sem necessidade dele, somente para ter o prazer do consumo e não tornar-se outsider.
“Nessa corrida pelo ter, nasce o individualismo, que, segundo o nosso filósofo (Adorno), é o fruto de toda essa Indústria Cultural”[8]. Tal fruto é amargo, principalmente para o salário da grande maioria, que deixa de ser bem aproveitado com necessidades básicas, para ser usado em futilidades (mercadorias) das quais talvez nem sejam usufruídas e tornem-se apenas mais um objeto no armário. Até porque a indústria cultural só se interessa mesmo pelos homens como clientes e empregados, reduziram a humanidade inteira a isso, não se importam com seus efeitos nocivos, mas somente com os lucros que podem ter.
A campeã e aliada principal da indústria cultural, especialista em criar um cenário imaginário na mente da massa, é a televisão, onde o receptor assiste programas com personagens ricos, o que dificilmente ele conseguirá ser. Fazem sair da realidade, do cotidiano, uma auto-ilusão para tentar esquecer as contas/problemas que precisa pagar/resolver no outro dia. Segundo Duarte apud Adorno (2003, p.123), “observa ainda que o ocorrido com o som na época em que surgiu o rádio comercial acontece agora com as imagens”.
Enfim, o público ideal para a indústria cultural são sujeitos psiquicamente mal formados, ou seja, o que impera é a semi-informação (atitude anti-filosófica). Adorno é contra isso, para ele, é melhor ter cultura nenhuma, do que ter semi-cultura. Nela o que realmente importa são a quantidade e o lucro, não a qualidade, porque a significação e banalização do produto acabam diminuindo os custos. Porque tudo o que surpreende não vende, assusta. Enquanto existir o capitalismo contemporâneo, vai existir a indústria cultural. Para se defender da indústria cultural, é necessário a crítica, a reflexão.
O universo da indústria cultural é amplo, e oferece só o que gera a ignorância, e para Adorno a imitação é classificada como algo absoluto, o original não importa, enfim massifica tudo. Sendo que a força da indústria cultural é a maioria da população achar que ela é a sua melhor amiga. Segundo esse filósofo a mercadoria é mais pobre que a obra de arte, que contém dentro de si verdade já a cópia/indústria cultural tem dentro de si falsidade. Isso porque, a obra de arte não é pensada somente para vender, mas para permear a sublimação, ao contrário dos produtos da indústria cultural que são pensados para ser vendidos e gerarem lucro. Silva declara, que,fica claro, portanto, a grande intenção da Indústria Cultural: obscurecer a percepção de todas as pessoas, principalmente, daqueles que são formadores de opinião. Ela é a própria ideologia. Os valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do indivíduo é influenciada e condicionada por essa cultura[9].
Até que ponto a indústria cultural tem poder sobre seus manipulados? Uma pergunta difícil de ser respondida, mas que precisa ser analisada. Ela quer incutir cada vez mais na mente das pessoas, que caso elas não tenham seus produtos, não serão felizes. Uma tremenda ignorância. E o pior é que se alguém vai contra ao que é oferecido, é taxado como outsider, outra ignorância coletiva. Mas quando a sociedade começar a pensar, talvez a indústria cultural perca suas forças. Entretanto, tem que estar ciente de que isso é uma utopia generalizada, porém há uma luz no fim deste túnel e esta luz precisa ser encontrada, enquanto tiver um pensando há uma esperança.Caso contrário, a sociedade que já está na era do barro, vai ir para onde? Será que ainda existe um nível a baixo? Para impedir a bancarrota total dos indivíduos precisavam dar um grito de liberdade e dizer não para indústria cultural. Enfim, é por meio do protesto, da reflexão, da análise, da crítica que a passividade coletiva à indústria cultural será diminuída. Sem sombras de dúvidas, é impossível que o poder da indústria cultural seja totalmente rebatido, mas pela reflexão pode ser amenizado. E com isso, as conseqüências no campo social serão menores e todos vão viver numa sociedade menos bloqueada e mais aderente ao pensamento e a liberdade de escolha.
Por Cristiane do Prado

 

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