“Apagão” na Educação: erros e preconceitos no novo ENEM

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Prof. Dr. José Plínio Guimarães Fachel, para a redação do JM1
do Dep. de História e Antropologia da UFPEL

As chuvas, os ventos e os raios não podem ser responsabilizados pelas trapalhadas no Exame Nacional do Ensino Médio. A prova vazou, o processo atrasou em dois meses, o dinheiro público foi desperdiçado e o ministro pediu que a prova exposta servisse de modelo para estudos. O “novo” ENEM envolve diretamente mais de quatro milhões de inscritos e, conforme a LDB (Lei das Diretrizes e Bases da Educação), tem de ser uma referência em avaliação. Portanto, merece uma análise crítica.

Alertamos ao Ministério da Educação que sua Portaria 109/09, que regulamentava o exame, estava lotada de erros, tanto que foi invalidada por republicação em 08/06/2009 e alterada pela 244/09. Esta também apresenta erros de grafia e repetição de parágrafos inteiros (ver art. 13, 17 e 27). Ainda, gera novas inseguranças e quebra a isonomia, mediante a informação de que há datas distintas para aplicação aos apenados. A regulamentação do atual exame apresenta, inclusive, falha ao prever em seu programa a disciplina de língua estrangeira, que não será cobrada neste ano.

O ENEM é draconiano e excessivo na segurança em relação aos candidatos, ao impor a permanência de no mínimo duas horas na sala, eliminar aquele que portar lápis, borracha ou grafite e negar o direito de postular a anulação e revisão de questões. Tais determinações prejudicam os direitos constitucionais de ir e vir e do contraditório. Qualquer candidato, que não esteja cumprindo pena, poderá abandonar o local do exame quando desejar. Por outro lado, vedar o recurso no âmbito administrativo fere a previsão da lei e da boa pedagogia no sentido de que as avaliações devem ser dialógicas.

Atualmente, o ENEM, além de ser uma forma de aferir a qualidade do ensino, competências e habilidades dos estudantes, também se apresenta como uma forma de classificação dos estudantes para ingresso nas universidades, embora o Ministério da Educação negue o aspecto classificatório da prova. É inadequado que o mesmo exame analise situações tão diversas como aferição das competências e habilidades dos estudantes para o fim de conclusão do ensino médio, que exige um grau de dificuldade básico, e a classificação para ingresso em concorridas universidades, cujo grau de dificuldade se apresenta, em regra, mais acentuado.

De todas as falhas apresentadas, a mais prejudicial é o retorno à forma de avaliação tecnicista e unificada, pautada por questões de cruzinhas, que foi implementada no Brasil na época do regime militar. Este tipo de avaliação supõe verdades absolutas. Neste contexto, as habilidades e competências que envolvem a crítica e a criatividade não são avaliadas, como ocorre nos vestibulares com questões analíticas e dissertativas, forma de avaliação mantida em excelentes universidades brasileiras .

Na prova que vazou, por falha da segurança, constam erros e preconceitos. A fim de auxiliar no aprendizado dos estudantes e demonstrar os problemas desta forma de avaliação, que justificam a necessidade de previsão de recursos, passo a analisar o exame.

Na prova de Linguagens, constam falhas nas questões:

1) Apresenta uma perspectiva muito subjetiva ao questionar acerca de reticências no final das frases da linguagem da internet;

19) Nas linhas 6 e 8 do texto, há erro no uso dos porquês.
Na prova de Matemática, os erros começam na capa, onde há falha na acentuação na linha 3, e seguem nas questões:

49) As alternativas A e C são idênticas;

68) A questão, contrariando a realidade, aponta como alternativa correta a compra no comércio de uma tampa de reservatório com mais de 108m²;

72) As medidas na figura estão desproporcionais;

90) A alternativa apontada como correta reforça o machismo e induz à conduta abolida em nosso país ao prever que os pais “precisariam procurar uma clínica” especializada para a escolha do sexo de seus filhos. Desde 1992, no Brasil, é ilegal escolher o sexo dos filhos em reprodução assistida. O novo Código de Ética Médica em seu art. 15, §2º, III, impede o médico de: “criar embriões com finalidade de escolha de sexo, eugenia […]”.

Na prova de Ciências Humanas, há os seguintes problemas:

53) A assertiva apontada como correta induz o estudante a crer que foi “a partir” de 1968 que teve início o desrespeito à Constituição então vigente e aos direitos civis. Exige mera memorização da data.

55) O estudante é questionado acerca do “processo democrático” na República Velha. Ocorre que o texto da questão não se refere a processo democrático, mas sim a processo eleitoral, tanto que menciona o voto a cabresto, os currais eleitorais, os eleitores fantasmas, a troca de favores, as fraudes e violências eleitorais. Tais vícios eleitorais, embora ainda ocorram em nosso país, não são democráticos.

62) A escravidão indígena, embora frequente, foi proibida muito antes de 1755 devido aos interesses no tráfico com a África, diferente do que indica a questão. Por outro lado, a exploração do trabalho indígena pelos jesuítas não pode ser considerada como escravidão, pois a Revolta dos Beckman demonstra o contrário.

65) Nas duas telas há a incorporação dos indígenas. Na de Portinari, conforme Leonardo Rodrigues, “a estrutura plástica foi reabsorvida numa espacialidade realista”. Os dois artistas, apesar de usarem semânticas diferentes, são coincidentes nos objetos (“As Primeiras Missas…”, 19&20, RJ, VII, n. I, jan/2007). A alternativa A também está correta.

67) A afirmação de que houve recessão norte-americana nas três primeiras décadas do século XX não é correta, especialmente frente ao crescimento econômico durante e logo após a I Guerra Mundial.

69) Os cortes feitos no texto de História da América, sem nenhuma indicação, alterou completamente o conceito de economias metropolitanas proposto pelo autor, inviabilizando as respostas.

72) É improvável que “Música ao Longe” tenha sido escrita no início da década de 1930.

77) Apesar da recente retirada de direitos previdenciários, “A Ordem Social” permanece sendo o Título VIII da Constituição Federal e não o VII como apontado na questão.

84) Os mexicanos, os indígenas e os povos das Antilhas vivenciaram práticas bélicas na execução da Doutrina Monroe.

Na prova de Ciências, constam as seguintes falhas:

16) Fizeram uma profunda adulteração e não uma adaptação no esquema da SANASA. No original (http://www.sanasa.com.br), o cloro e a cal são adicionados não apenas na fase 5, como consta na questão, mas também na fase 2. Considerando que a educação deve ser pautada pela realidade, não há resposta correta.

43) Denominar as pessoas arrancadas da África pelo escravismo luso-brasileiro como “escravos africanos” é um erro conceitual. Na África não nasceram escravos, sendo que poucos, dentre aqueles, vivenciaram o escravismo naquele continente. A doença referida na questão, anemia falciforme, atingiu basicamente os bantos no noroeste da África. Logo, nem todos os contingentes africanos apresentavam este problema genético.

Além destes problemas, o exame é excessivamente longo, preocupando-se com a quantidade em detrimento da qualidade das questões. Só dois minutos e seis segundos para a solução de cada uma das questões, preciosas nas exigências de fórmulas e datas, favorecem o erro casual ao invés do raciocínio.

Em termos de qualidade, é preciso lembrar que em um país continental é essencial que o ensino busque retratar as realidades históricas e geográficas regionais, o que foi prejudicado pela homogeneização do programa.

Contudo, não basta destruir o que sobrou, é necessário construir o que falta, sobretudo em atenção aos estudantes das regiões menos favorecidas do Brasil que têm menor possibilidade de acesso às universidades que não se submeteram ao novo ENEM.

Acreditamos que com base nas experiências dos vestibulares das diversas universidades, o Ministério da Educação pode construir uma avaliação do ensino médio mais segura e de melhor qualidade.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom!, é disso que o Brasil precisa, pessoas com senso crítico como você, mas para isso é necessário melhorar a educação brasileira que precisa está voltada para a formação do intelecto do cidadão e não para torna-lo um alienado mero memorizador de fórmulas e ideias prontas.

    Parabéns,

    e vamos juntos de mãos dadas escrever o futuro desse Brasil!!!

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