Flávio Migliacio: apaixonado pela profissão

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Chegar aos 77 anos com saúde, realmente, foi a melhor coisa.

Completar 40 anos de carreira, com mais de 35 trabalhos na TV, não convence o ator Flávio Miggliacio a se aposentar. Aos 76 anos, o ator, nascido em São Paulo, no bairro do Tucuruvi, faz questão de emendar um trabalho no outro.

Segundo ele, foi muito difícil ingressar na carreira artística. Sem dinheiro para estudar teatro, ficava na porta dos teatros para escutar os comentários do público sobre a interpretação dos protagonistas.

Sendo assim, Migliaccio não vê razão para parar. Desde 2004, ele trabalha ininterruptamente (veja, abaixo, dois dos seus trabalhos recentes). Nem a morte da irmã Dirce Migliaccio (1933 2009), que viveu a Emília na primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo, fez com que ele pensasse em largar a carreira.

‘Só passei a imitá-la ainda mais’, conta. Hoje, o ator vive o libanês Chalita, da série Tapas & Beijos, da Globo. Na conversa a seguir, ele fala do apoio que recebeu de amigos do meio artístico, como conheceu Zeca Pagodinho e relembra fatos da infância.

Entre eles, do teatro de lençóis que improvisava com os pais na sala de casa e da primeira mulher pela qual se apaixonou: a estátua de uma índia nua, da Praça Ramos, que escolheu, entre amigos, para ser sua primeira amada.

O senhor está com 76 anos e não tira férias. Como mantém o ritmo?

Cuido muito da alimentação, faço algum exercício, na Urca. Mas o mais importante é ficar na atividade. Fazendo todas essas palhaçadas.

Pensa em se aposentar?

Eu já me aposentei, mas não vou parar. Gostaria de terminar como Mario Lago, Fregolente, Grande Otelo. Penso em entrar para o Livro dos Recordes como o ator de carreira mais longa. (risos)

O senhor começou a sua carreira na periferia de São Paulo. Como foi isso?

Um dia, entrei sem querer num teatrinho da igreja de Tucuruvi para assistir a uma peça amadora e fiquei deslumbrado com o que vi. No final do espetáculo, fui até o camarim e implorei para que o ator principal me deixasse fazer o papel dele, pois faria melhor do que ele. O sujeito me olhou assustado e, pasmem, permitiu que eu fizesse esse trabalho.

E como foi esse início?

Vou aproveitar e narrar um trecho da autobiografia que estou escrevendo: ‘O José Renato, diretor do Teatro de Arena de São Paulo, um dia, fez um longo teste comigo para a peça policial francesa Julgue Você. Até que chegou para mim e falou: ‘Você foi aprovado! O papel é seu!’. Era o defunto da peça. Gente, não existe coisa mais terrível do que fazer papel de morto, num teatro de arena. O público não queria saber da temática da peça, enredo, psicologia dos personagens. Nada! Estava atento, exclusivamente, para qualquer mexidinha no corpo do infeliz defunto que eu fazia. E o pior é que o Arena era cheio de pulgas, o que me obrigava fazer um esforço terrível para não me coçar!

Passou dificuldades na profissão?

Enquanto estudava para me aperfeiçoar na carreira de ator, eu ia nas portas dos teatros e olhava as fotografias dos atores, imaginando como seria a peça e as interpretações. No final do espetáculo, tentava sondar a opinião dos espectadores. Um dia, antes de um desses espetáculos, um senhor veio me perguntar se eu queria ver a peça. Eu adorei o convite, mas descobri que isso tinha um preço: eu tinha de ficar rindo e batendo palmas para dois grandes atores da época. Foi assim que consegui ver todos os espetáculos daquele ano, pois o sujeito era dono de uma agência especializada em aplausos.

Como se interessou por artes?

Na minha infância, em São Paulo, no bairro do Tucuruvi, minha mãe acendia uma luz e projetava nossas sombras num lençol que ela colocava na janela para uma plateia de vizinhos assistirem à nossa encenação. Tudo ao som do violino do meu pai e de mais alguns instrumentos que ele insistia para que a gente aprendesse a tocar: pandeiro, caixa, corneta e outros tantos improvisados por ele.

Lembra de algo especial de São Paulo?

O meu lugar preferido sempre foi a Praça Ramos. Era costume cada criança do bairro receber o equivalente a dois, três reais de hoje para ir se divertir na cidade. Então, nossa turma de garotos ia para o centro de São Paulo e lá andava à toa, olhando vitrines, olhando fotografias de mulheres nas portas dos cinemas, zoando e namorando estátuas. Cada garoto da turma escolhia uma estátua que se transformava na sua amada, com direito a singelas declarações de amor. A minha estátua preferida era uma linda índia, quase nua, que ficava em cima de uma espécie de pedestal, perto do Teatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo. Meu primeiro amor foi a estátua de uma índia na Praça Ramos.

Em 2009, o senhor perdeu a sua irmã (Dirce Migliaccio). Pensou em parar?

Não. Era um fã ardoroso da Dirce e, após sua morte, resolvi imitá-la cada vez mais. O Chalita é um bom exemplo.

Quem do meio artístico o apoiou?

Milton Gonçalves, que fez o Teatro de Arena comigo, ficou sempre ao meu lado.

O Zeca Pagodinho diz que o senhor sempre aparece nos churrascos feitos na casa dele. Como começou essa amizade?

Quem cruza com essa figura fantástica não tem como deixar de ficar seu amigo. Ficamos amigos num dia que começamos a conversar sobre mulheres. Não sou de falar muito, mas o papo foi longe.

Também gosta de cerveja, como ele?

Infelizmente, não! Eu aprecio um vinhozinho de vez em quando. Nada mais!

O que falta acontecer em sua vida?

Publicar minha autobiografia e fazer um documentário sobre o Tio Maneco, um personagem que fiz na TV Educativa.

De que o senhor tem medo?

De nada do que vou encontrar após a morte. O que me mete muito medo é o que ainda vou encontrar por aqui.

Sendo ator desde tão cedo, o senhor conseguiu ficar rico?

Eu nunca soube cobrar pelo meu trabalho e sempre soube recompensar as pessoas pelo que fizeram para mim. Por isso, não me sobrou muita coisa.

Qual o grande sonho que sempre teve e que conseguiu conquistar?

A saúde. Chegar aos 77 anos com saúde, realmente, foi a melhor coisa.

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