Depois de dirigir os documentários “Coração Vagabundo” (2008), que acompanha uma turnê de Caetano Veloso, e “Quebrando o Tabu” (2011), sobre o debate em relação ao combate às drogas, Fernando Grostein Andrade realiza “Na Quebrada” – ficção que visa comemorar os dez anos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.
O filme traz não só realizadores que fazem ou fizeram parte da história da escola, como também as histórias de cinco ex-alunos, que foram retratadas no longa.
Com esta proposta, é inevitável um certo tom institucional de todo projeto, ainda mais porque o instituto, que tem como foco jovens de baixa renda, foi criado em 2003 pelo apresentador Luciano Huck, meio irmão de Andrade.
Este não é o único problema do filme, que acumula um conjunto de pequenos excessos que mina a obra. O roteiro do cineasta, ao lado de Marcelo Vindicatto e André Finotti, passa rapidamente pelos acontecimentos, sendo superficial em diversos momentos, além de forçar certos diálogos, que não demonstram nenhuma naturalidade.
Uma das histórias é inspirada na trajetória de Paulo Eduardo, que se formou em Edição na primeira turma do instituto e agora é codiretor do longa, junto com Fernando. Quem a transpõe à tela é Felipe Simas, que interpreta Zeca na trama, um garoto de Paraisópolis que sobreviveu a uma chacina e aplaca o ódio pelo que viveu, descobrindo o cinema e levando-o adiante no Cine Rincão – história já mostrada num curta do próprio Andrade, que leva o nome do projeto.
Seu amigo Gerson (o estreante Jorge Dias, filho do rapper Mano Brown, do Racionais MC’s), que também inicia um curso no local, mas de Figurino, vê a sina do seu pai, presidiário desde que o rapaz era pequeno, assombrar seu caminho.
Junto com a história da dupla, se cruzam as vidas de Mônica (Domenica Dias, também estreante e filha do Mano Brown), colega de turma deles que decide transformar em vídeo sua rotina com seus pais e o irmão, os três deficientes visuais, e a de outros dois novos alunos: Joana (Daiana Andrade), uma garota que passou sua infância em um abrigo e, em sua adolescência, sofre o aliciamento do mundo do crime; e Junior (Jean Luís Amorim), um jovem cujo azar de levar choques e quebrar/queimar coisas o persegue desde criança.
Este último segmento, aliás, é o melhor do filme, não só pela sua função como alívio cômico, mas pelo elenco nele envolvido. Já é conhecido o talento de Gero Camilo, aqui como o pai de Junior, e de Claudio Jaborandy, interpretando o dono da eletrônica. Jean Luís Amorim, que havia estreado em “Capitães de Areia” (2011), desponta como uma revelação na pele do rapaz.
Em quase todas as histórias, o cinema, introduzido na vida dos personagens pelo Criar, é apontado como caminho de salvação.
Esse aspecto, junto à intenção de discutir a falta de acesso à cultura nas áreas periféricas –além da óbvia questão sobre a falta de educação, saúde e outros itens básicos que contribuem para a violência que atinge os jovens dessas regiões– são os pontos mais positivos da produção.
No entanto, a exaltação à sétima arte se detém mais nestes termos, já que o filme em si falha enquanto exercício cinematográfico.
A fotografia do próprio diretor e de Pepe Mendes tem primeiros planos em demasia. A edição rápida, “videoclíptica”, apresenta, nas cenas de luta, borrões sem clareza ao espectador, que não sabe bem o que está acontecendo. O uso de time-lapse é constante, praticamente televisivo. E ainda há a trilha sonora, um tanto melodramática, especialmente no início.
Assim, ao final, a pergunta que poderia surgir é se os trabalhos feitos pelos próprios alunos da instituição não seriam superiores a “Na Quebrada”, enquanto expressões artísticas autênticas.
Agência Reuters.