Parábola da impotência

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Era o final do dia, e o médico estava esgotado. Já ia se preparando para deixar o consultório, quando a secretária interfonou e disse que alguém queria uma consulta de emergência. Bem que ela tentou argumentar que o expediente estava encerrado, e que o médico estava exausto. Mas havia nas palavras do homem um quê de desespero, que tornou irrelevantes os argumentos da moça.

Com ar aborrecido, o doutor concordou em ver o cliente da hora undécima. Chamava-se Adão Reis e tinha um problema grave:

– Do que se trata, amigo?

Como se fosse uma máquina de falar, o homem disparou:

– Comecei como por curiosidade há oito anos, doutor. Mas agora não consigo mais me desvencilhar. Sou casado, mas nem sei mesmo se ainda sou. A droga me fez um marido péssimo. Dinheiro para casa não levo mais. A pequena poupança que a gente juntou se foi. A droga está me levando à miséria. Tive que vender o carro bem barato para fazer aí uns pagamentos. O pessoal já estava me ameaçando. Estou acabado, doutor. Minha mulher cansou de reclamar, agora o que faz é chorar. Meus dois meninos também estão estranhos comigo. Me olham com um olhar que eu nunca havia visto antes. Parece desprezo. Ou seja, eu estou sofrendo, e minha família também. Eu sei que eles não merecem isso. Do trabalho nem vou falar. Acho que não me despediram ainda porque o patrão era muito amigo de meu pai. Os colegas de trabalho já perceberam o meu problema, e noto que se distanciam de mim; tudo isso sem dizer uma palavra. Mas nem precisava. Eu sinto no ar o distanciamento deles. Doutor, me ajude; o que eu faço?

O médico meneou a cabeça num gesto que traía impotência.

– Infelizmente, meu amigo, não vou poder ajudá-lo. Acabaram de decretar que os médicos não podem tentar interferir na vida pessoal do paciente. Tentar curar você agora é contra a lei.

Dias depois, o corpo de Adão Reis foi visto pendurado numa árvore ressecada da Avenida Brasil!

Pr. João Soares da Fonseca – [email protected]

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