Há muitos anos aconteceu em Salvador um episódio que a todos nos deixa desconsolados.
Um médico, desses que fizeram da medicina apenas ganha-pão e não missão humanitária, recusou-se terminantemente a atender a uma criança que havia sido atropelada. A recusa devia-se ao fato de que a clínica era particular, propriedade do tal médico. Para interná-la ali, era preciso que alguém assumisse as despesas, mas não foi possível contatar a família ou parentes.
O tempo foi passando, e o impasse não se resolvia. Sem receber de imediato os cuidados médicos necessários, a criança foi então levada para um hospital público, aonde chegara debilitada, vindo a falecer.
Quando a família foi finalmente localizada e informada é que a história toma contornos de tragédia grega: a menina acidentada era filha do mesmo médico que se recusara a dar atendimento. Por ter colocado o lucro em primeiro lugar, o pai deixou de prestar socorro à própria filha. Teria salvado a filha? Talvez sim, talvez não. Mas se tivesse afastado de si o materialismo e socorrido a filha, pelo menos não teria de carregar para sempre a culpa de nada ter feito.
Dos embates que Jesus travou com os líderes religiosos do seu tempo nos ficou a lição máxima de que a vida humana vale incomparavelmente mais que bois, jumentos (Lc 13.15, 16; Lc 14.5) e o mundo inteiro. Na parábola do samaritano generoso, Jesus deixou evidente que o bem deve ser feito ao outro, mesmo que o outro seja o nosso maior inimigo (Lc 10.30-37).
A bondade de Jesus surpreendia e superava os padrões morais dos homens. Mesmo entre os gregos, a quem o mundo ocidental deve muito de sua formação intelectual, havia filósofos como Zenão, o patriarca do estoicismo, que atacavam o sentimento de generosidade, porque esse sentimento “perturbava a sua serenidade interior”. Jesus, não apenas deixou-se perturbar, mas a si mesmo se entregou pelo nosso eterno bem-estar. Não há exemplo maior de bondade!
Pr. João Soares da Fonseca